domingo, 17 de novembro de 2013

A amante da guerra - Parte I



                                           Duelo de Kan


Era comum ver as tribos lutando entre si, ver guerreiros derramando sangue desde os grandes desertos que separavam nossas terras dos povos sem fé até as planícies vastas que davam vida ao nosso povo.


Os homens viam os combates intermináveis como uma forma de demonstrar seu valor perante aos olhos dos deuses. Nos ainda lembrávamos dos antigos costumes, do caminho do guerreiro e vivíamos por seu código. Um homem nascia para lutar e morrer com uma arma em mãos, um homem nascia para provar seu valor e morrer com a gloria de mil batalhas em sua mente e seu nome deve ser lembrado para todo o sempre. E morríamos dia a pós dia por essa crença.


Eu cresci com esse povo e desde que me lembro, vi homens nascer para se tornarem temidos no campo de batalha e morrer batalha após batalha. Esse era o costume e dar sua vida em combate era tão comum quanto respirar. O que eu não imaginava, era que aquela batalha mudaria completamente minha vida.


O sol havia nascido e a tribo acordou com o som dos animais e dos pequenos, mas o choro e grunhido logo foram substituídos pela canção da vida em comunidade, o som de rizadas e brigas, de armas sendo afiadas e da preparação para a caça.


Todo homem era um guerreiro, exceto pelos ferreiros, que era considerado como um dever sagrado. Também algumas mulheres guerreiras, nos as chamávamos de noivas da guerra, pois preferiam ter uma espada a um homem ao seu lado, fazendo inclusive um juramento de castidade, apesar de serem poucas que realmente seguiam esse juramento que ninguém sabia de onde havia surgido e que não tinha sentido do meu ponto de vista. 


Meu pai havia me ensinado a lutar e se quisesse poderia ter me tornado uma noiva da guerra, mas nunca quis apesar de ser melhor com uma arma na mão do que muitas das que estavam indo caçar junto aos guerreiros.


- Nos não vamos demorar pequena – disse e meu pai, o líder de nosso Kan que insistia em me chamar de pequena apesar de ser uma mulher em todos os sentidos.


- Que os deuses enviem uma boa caça esta manha meu pai e meu líder. 


- Os deuses nos enviaram uma bela manha, uma boa caça é certa.


- Que assim seja.


E ao dizer aquilo o vi partir com cerca de doze homens e mais oito noivas. Eram poucos, mas eram importantes quando se tratava de um Kan pequeno como nosso, reduzido a menos da metade de seu tamanho com as ultimas disputas. E ver-los partindo, por alguma razão me deu um aperto no peito.


Passei o resto da manha cuidando de meus afazeres: roupas a serem arrumadas, crianças para cuidar e muito a ser organizado. Também gostava de brincar com os mais jovens e de treinar um pouco com os pequenos que treinavam para se tornar adultos. Os jovens guerreiros gostavam de lutar contra mulheres, lhes dava prazer e eu sempre me divertia lutando contra eles e vendo-os ficarem irritados ao perder para uma mulher.


E tinha que agradecer aos deuses por estar com uma arma na mão, pois quando havia derrotado o mais novo dos jovens guerreiros e via os demais rindo dele por ter perdido para uma mulher, o som seco de um chifre de guerra ecoou e quando todos se deram conta, um Kan surgiu da floresta e a planície que nos separava dele foi coberta de homens armados que corriam como loucos para cobrir a distancia que os separava de um combate.


Eramos poucos, cerca de vinte homens e doze noivas, que se preparavam para combater um grupo de aproximadamente oitenta guerreiros. As mulheres que não podiam lutar trataram de pegar os pequenos e se esconder dentro das tendas que todos sabiam que não ofereceriam qualquer tipo de proteção quando eles nos alcançassem.
- Lutem ate o ultimo homem, que os deuses festejem com nossas mortes! – gritou um de nossos guerreiros – E levem o maior numero com vocês para o outro mundo!



Os outros gritaram em aprovação e tudo o que pude pensar era em meu pai. Se ele estivesse entre nós, nos daria coragem e teríamos uma chance de vencer. 


E então eles entraram em nosso acampamento. Armas se chocaram e o sangue manchou o solo. Segurei o cabo de minha espada o mais forte que pude enquanto golpeava o primeiro que tentou me atacar, seu machado cortou o vento de encontro a meu rosto, mas consegui me esquivar do ataque e atravessar seu ventre. 


O segundo foi apenas um garoto que provavelmente havia alcançado a maioridade a apenas alguns dias, conseguido seu lugar ao lado dos adultos e que jamais teria chance de experimentar outro combate, pois abri sua garganta e pude ver o medo em seus olhos enquanto ele tentava segurar a ferida como se pudesse assim salvar sua vida.


Ver aquele garoto lutando e morrendo me lembrou de nossos pequenos guerreiros e larguei o calor do combate para procura-los e tentar ao menos protege-los enquanto ainda houvesse ar meus pulmões. 


- Shara! – Gritou um deles, e quando me virei para a direção de sua voz, vi um grupo de sete garotos, armados em frente a grande tenda de meu pai, onde certamente haviam mulheres e crianças.


- Que bom que estão todos bens – disse ao cair abraçando o mais velho deles, um menino forte e dedicado – Você fez bem em proteger todos.


- Nos estamos perdendo Shara, seu pai e os outros não voltaram! O que vamos fazer?


Vi o medo em seus olhos, afinal mesmo que todos tenham nascido e crescido aprendendo o valor do combate, o valor da gloria na morte em campo de batalha e sendo preparados para esse dia, nenhum homem era imune ao medo da morte e crianças eram apenas crianças, com ou sem uma arma nas mãos.


- Eu vou protege-los, custe o que custar eu vou! – disse tentando parecer segura.


Parecia que havia durado uma eternidade, mas não devia ter passado mais do que alguns minutos desde que o combate começou e todos os guerreiros da tribo estavam mortos, e a única que separava todos da morte ou de serem levados para a outra tribo, era minha espada.


- Onde esta o grande matador de bestas? – disse um homem enorme que usava a pele de um urso como manto e tinha uma grande cicatriz que começava em seu olho esquerdo e descia ate seu abdômen, provavelmente o líder do grupo já que ele mencionou o titulo de meu pai.


- Caçando – respondi cuspindo no chão.


- E quem é você jovem tola?


- Sou a filha dele.


- Bom – ele disse rindo pois filhas de lideres eram vistas como um premio maior do que qualquer outra riqueza conseguida com um saque.


Antes que ele pudesse pensar, avancei com um golpe rápido visando seu coração, mas ele chutou minha barriga com extrema facilidade e a dor me jogou no chão. Foi então que os pequenos tomados pela raiva de me ver no chão atacaram o homem de uma vez.


Foi com lagrimas nos olhos que vi enquanto ele os matava usando um machado do tamanho de um homem, partindo seus corpos como se fossem pedaços de tecido e foi com mais lagrimas que me segurei para não mata-lo enquanto ele me puxava pelo cabelo, cheirando a sangue fresco.


- Agora você vai ficar quietinha.


Os homens se revesaram para aproveitar as mulheres jovens e festejar com nossa comida enquanto esperavam o retorno de meu pai. Por sorte eu fui polpada da vergonha de ser violentada. Infelizmente teria que aguentar ver meu pai e seus companheiros serem mortos por aqueles homens e tudo isso amarrada em um velho tronco de madeira e despida de qualquer roupa. 


E tudo o que eu pude fazer foi aguentar os sons de meu povo sendo destruído, os sons das lagrimas e dos gritos de prazer dos homens enquanto  eu imaginava qual seria meu fim, sem jamais pensar que os eventos daquele dia me fariam encontrar com um homem que mudaria completamente meu destino e o destino de todos que caminhavam por esse mundo.


Pois aquela batalha foi apenas o preludio de uma guerra que estava prestes a engolir o mundo.

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