Ecos dos inocentes II
Foi perturbador e desumano a forma
como tudo aconteceu. Dois terços dos nossos homens ficaram escondidos na
floresta enquanto os demais, aonde estava junto com Augusto que liderava o
ataque, avançávamos a cavalo contra as fazendas incendiando-as. A luz tomou
conta da noite em uma cena bizarra. Homens fugião de suas casas, levando suas
mulheres e crianças que caiam no chão, algumas pessoas, que tardaram em acordar
ou eram velhas de mais para fugir, ficavam presas em suas casas para ser
queimadas vidas, empesteando o lugar com um cheiro de carne queimada.
O pior de tudo era ver os homens
matando todos que ousassem resistir, exceto as mulheres e as crianças mais
novas.
Quando terminamos o ataque e os
defensores do forte surgiram horrorizados com a cena, embora não duvidasse que
teriam feito o mesmo em algum de nossos fortes. Esporeamos os cavalos ate
duzentos metros do único portão e formamos uma parede de escudos de vinte
homens lado a lado com três fileiras reservas.
Nunca havia estado em uma parede de
escudos antes, aquela era uma manobra militar famosa, pois evitava perdas e obrigava os dois lados a lutar em igual numero na maioria das vezes, o
que dependia muito do terreno também. E como previsto a isca atraiu os homens
para fora do forte.
Eles não podiam ignorar o nosso
convite para o combate, havíamos queimado suas terras e única fonte de
alimento, eles estavam trancados em um forte com apenas uma saída, sem chances
de pedir reforços ou aguentar um cerco que poderia ocorrer em breve, afinal do
ponto de vista deles, aquilo poderia ser apenas o começo. Também havia o fato
de que havíamos escondido nosso contingente na floresta e atacado com um numero
inferior ao deles, de forma que eles pudessem nos atacar com uma parede de
escudo com no mínimo o dobro de homens, nos fechando e massacrando nossas
fileiras. E foi exatamente o que eles fizeram.
Em dez minutos, os portões estavam
abertos, os homens haviam formado sua gigantesca parede e estavam marchando de
encontro a nossa, batendo com suas armas em seus escudos. Mesmo sabendo que
tínhamos uma carta na manga, aquela cena dava arrepios. Homens e mais homens
armados, lado a lado berrando e fazendo um som ensurdecedor com suas armas.
- Homens segurem a posição! – gritou
Augusto, sabendo que seus soldados estariam com medo do que poderia acontecer
caso o plano desse errado.
E seguramos a posição ate que eles
estivessem na distancia desejada, quando começamos a recuar pouco a pouco,
mantendo a distancia e os atraindo para longe do portão.
- Falta pouco Ulthred, segure firme e
siga o plano. Não te quero morto.
E então eles ficaram bem onde
queríamos. Augustou ordenou que a ultima fileira erguessem as bandeiras com
o símbolo da rainha, uma coroa vermelha sobre um coração ensanguentado. O sinal
era claro e enquanto os homens do outro lado se perguntavam o porque daquilo,
duas centenas de tochas se ascenderam na floresta e uma carga de cavaleiros
montados saiu para o abate. Eles cruzaram o campo sem dar tempo das fileiras
inimigas se reagruparem para segurar a carga. O golpe foi fatal, quebrou as
fileiras por trás deixando quase todo o contingente morto e ferido.
- Atacar – gritou Augusto e seus
homens largaram os escudos e partiram freneticamente de encontro aos soldados
remanescentes.
Toda aquela cena encheu meu corpo com
um desejo de seguir em frente e participar da matança, corri o mais rápido que
pude de encontro a meu primeiro oponente, um jovem que segurava sua espada
tremendo e não fez nada para evitar que minha lamina furasse seu ombro e
descesse ate seu coração. Um segundo homem tentou me golpear e aparei sua
espada, fazendo com que ela deslizasse para baixo e me desse tempo de subir a
minha de encontro a sua garganta.
Aquela sensação era como uma droga que
invadia seu corpo, que te impulsionava a cortar tendão, músculo, osso e fazer
seu oponente sangrar ate que não restasse uma alma viva para fazer frente a sua
lamina. Aquilo era uma maldição.
- Para o forte – gritou nosso general,
vendo que o inimigo estava tentando fecha-lo e não sei como, mas consegui
entrar com o primeiro grupo de homens, subindo as escadas enquanto matávamos
todos que entravam em nosso caminho, ganhando terreno e finalmente alcançando
os dois últimos guardas que cuidavam da alavanca que fechava a porta.
Despecei o braço do primeiro quando
ele tentava rolar o mecanismo e vi quando ele caiu no chão berrando, tentando
estancar seu ferimento e deixando a garganta a mostra para um companheiro ao meu
lado o finalizasse. Seu colega desesperado, se apoiou contra o muro enquanto outro soldado tentava golpeá-lo com o machado.
- Eu me rendo – ele gritava, mas
parecia que ninguém se importava com aquilo e seu oponente ergueu novamente o
machado para terminar o trabalho, mas teve seu braço contido por Augusto.
- Ele se rendeu, respeite isso.
O homem baixou o machado, como se
tirado de seu transe e finalmente tivesse notado o que estava fazendo.
- Desculpe general – ele respondeu sem
jeito.
- Leve-o com os demais, lhe de comida
e água e trate para que ele seja bem tratado, não quero que encostem um dedo
nele.
E foi naquela noite que eu vi outra
face daquele homem, capaz de incitar uma carnificina sem pensar duas vezes e
mostrar solidariedade com seus inimigos.
Eu temia qual delas pudesse ser sua
verdadeira face e temia principalmente o que eu poderia me tornar seguindo-o.
Mas ainda assim o que queria fazer.
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