sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Instrumentos da morte – Parte V

Ecos dos inocentes II

Foi perturbador e desumano a forma como tudo aconteceu. Dois terços dos nossos homens ficaram escondidos na floresta enquanto os demais, aonde estava junto com Augusto que liderava o ataque, avançávamos a cavalo contra as fazendas incendiando-as. A luz tomou conta da noite em uma cena bizarra. Homens fugião de suas casas, levando suas mulheres e crianças que caiam no chão, algumas pessoas, que tardaram em acordar ou eram velhas de mais para fugir, ficavam presas em suas casas para ser queimadas vidas, empesteando o lugar com um cheiro de carne queimada.

O pior de tudo era ver os homens matando todos que ousassem resistir, exceto as mulheres e as crianças mais novas.

Quando terminamos o ataque e os defensores do forte surgiram horrorizados com a cena, embora não duvidasse que teriam feito o mesmo em algum de nossos fortes. Esporeamos os cavalos ate duzentos metros do único portão e formamos uma parede de escudos de vinte homens lado a lado com três fileiras reservas.

Nunca havia estado em uma parede de escudos antes, aquela era uma manobra militar famosa, pois evitava perdas e obrigava os dois lados a lutar em igual numero na maioria das vezes, o que dependia muito do terreno também. E como previsto a isca atraiu os homens para fora do forte.

Eles não podiam ignorar o nosso convite para o combate, havíamos queimado suas terras e única fonte de alimento, eles estavam trancados em um forte com apenas uma saída, sem chances de pedir reforços ou aguentar um cerco que poderia ocorrer em breve, afinal do ponto de vista deles, aquilo poderia ser apenas o começo. Também havia o fato de que havíamos escondido nosso contingente na floresta e atacado com um numero inferior ao deles, de forma que eles pudessem nos atacar com uma parede de escudo com no mínimo o dobro de homens, nos fechando e massacrando nossas fileiras. E foi exatamente o que eles fizeram.

Em dez minutos, os portões estavam abertos, os homens haviam formado sua gigantesca parede e estavam marchando de encontro a nossa, batendo com suas armas em seus escudos. Mesmo sabendo que tínhamos uma carta na manga, aquela cena dava arrepios. Homens e mais homens armados, lado a lado berrando e fazendo um som ensurdecedor com suas armas.

- Homens segurem a posição! – gritou Augusto, sabendo que seus soldados estariam com medo do que poderia acontecer caso o plano desse errado.

E seguramos a posição ate que eles estivessem na distancia desejada, quando começamos a recuar pouco a pouco, mantendo a distancia e os atraindo para longe do portão.

- Falta pouco Ulthred, segure firme e siga o plano. Não te quero morto.

E então eles ficaram bem onde queríamos. Augustou ordenou que a ultima fileira erguessem as bandeiras com o símbolo da rainha, uma coroa vermelha sobre um coração ensanguentado. O sinal era claro e enquanto os homens do outro lado se perguntavam o porque daquilo, duas centenas de tochas se ascenderam na floresta e uma carga de cavaleiros montados saiu para o abate. Eles cruzaram o campo sem dar tempo das fileiras inimigas se reagruparem para segurar a carga. O golpe foi fatal, quebrou as fileiras por trás deixando quase todo o contingente morto e ferido.

- Atacar – gritou Augusto e seus homens largaram os escudos e partiram freneticamente de encontro aos soldados remanescentes.

Toda aquela cena encheu meu corpo com um desejo de seguir em frente e participar da matança, corri o mais rápido que pude de encontro a meu primeiro oponente, um jovem que segurava sua espada tremendo e não fez nada para evitar que minha lamina furasse seu ombro e descesse ate seu coração. Um segundo homem tentou me golpear e aparei sua espada, fazendo com que ela deslizasse para baixo e me desse tempo de subir a minha de encontro a sua garganta.

Aquela sensação era como uma droga que invadia seu corpo, que te impulsionava a cortar tendão, músculo, osso e fazer seu oponente sangrar ate que não restasse uma alma viva para fazer frente a sua lamina. Aquilo era uma maldição.

- Para o forte – gritou nosso general, vendo que o inimigo estava tentando fecha-lo e não sei como, mas consegui entrar com o primeiro grupo de homens, subindo as escadas enquanto matávamos todos que entravam em nosso caminho, ganhando terreno e finalmente alcançando os dois últimos guardas que cuidavam da alavanca que fechava a porta.

Despecei o braço do primeiro quando ele tentava rolar o mecanismo e vi quando ele caiu no chão berrando, tentando estancar seu ferimento e deixando a garganta a mostra para um companheiro ao meu lado o finalizasse. Seu colega desesperado, se apoiou contra o muro enquanto outro soldado tentava golpeá-lo com o machado.

- Eu me rendo – ele gritava, mas parecia que ninguém se importava com aquilo e seu oponente ergueu novamente o machado para terminar o trabalho, mas teve seu braço contido por Augusto.

- Ele se rendeu, respeite isso.

O homem baixou o machado, como se tirado de seu transe e finalmente tivesse notado o que estava fazendo.

- Desculpe general – ele respondeu sem jeito.

- Leve-o com os demais, lhe de comida e água e trate para que ele seja bem tratado, não quero que encostem um dedo nele.

E foi naquela noite que eu vi outra face daquele homem, capaz de incitar uma carnificina sem pensar duas vezes e mostrar solidariedade com seus inimigos.

Eu temia qual delas pudesse ser sua verdadeira face e temia principalmente o que eu poderia me tornar seguindo-o.

Mas ainda assim o que queria fazer.






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