A rainha
Aquilo era desconfortante e podia
sentir o suor frio escorrendo pela minha nuca enquanto seus olhos me estudava.
Eu não conseguia entender o porque da demora e mesmo sabendo que aquilo iria
acontecer, fiquei espantado quando fui informado que deveria me dirigir ate o
salão real por ordens da rainha.
E se estar frente a frente com a
pessoa mais poderosa do reino já era intimidador, ela conseguia tornar aquela
experiencia em um pesadelo. Haviam quatro cães deformados que comiam restos de
carne humana, ambos amarrados ao trono por grossas coleiras feitas de uma
corrente negra e pontiaguda, manchadas de sangue seco. A própria rainha se
vestia inteiramente de vermelho, ou melhor, as poucas peças que ela usavam eram,
pois ela vestia apenas uma saia que cobria pouco mais do que suas partes
intimas e uma peça de roupa para cobrir seus seios, deixando todo seu corpo a
mostra. Alguns dias depois daquela reunião eu descobri por meio de um bêbado que ela gostava de exibir seu corpo como uma especie de troféu.
- Meus cães te assustam ferreiro? –
ela perguntou quebrando de súbito o silencio e me espantei com sua voz fina
como a de uma criança.
- Não majestade.
A rainha estralou seus dedos e um
homem vestido de bobo da corte lhe trouxe um chicote. Era uma arma grosseira,
feita de couro e tingida de vermelho. Ela pegou a arma, se levantou e me para
minha surpresa me golpeou no rosto.
O impacto me fez cair no chão e senti o
sangue escorrendo pela minha bochecha esquerda e sujando minha camisa.
- Odeio mentirosos ferreiro, é bom se
lembrar disso.
- Sim majestade.
Ela me circulou com passos lentos,
ameaçou me atacar uma ou duas vezes e depois parou atrás na minha costa,
segurando meus ombros e sussurrando em meu ouvido.
- Você me fez um grande favor
ferreiro, salvou um de meus melhores homens e ajudou a dar mais um passo para o
fim desta guerra maldita. Eu quase posso ate sentir o pescoço de minha irmã nas
minhas mãos – ela apertou meus ombros enquanto falava aquelas ultimas palavras,
cravando sua unha em minha carne.
Aguentei a dor, não para parecer
forte, mas temia por minha vida em sua presença, se ela me chicoteou por
aquilo, ninguém poderia dizer do que mais ela seria capaz.
- Vou te colocar nas tropas de
Augusto, tenho certeza que ainda vou ouvir falar muito sobre você... Ou quem
sabe você prefere que eu lhe de uma recompensa e te mande de novo para sua vida
pacata e miserável?
Pensei naquilo, poderia ter aceito o
dinheiro e vivido longe dela, vivido em paz e sossego dentro de minha forja.
Mas havia um sentimento estranho dentro que não entendia na época, uma
sentimento que me fazia querer lutar ao lado de Augusto.
- Prefiro lutar – e quando disse
aquelas palavras me perguntei pelo que estava lutando? Por uma rainha que eu
mal conhecia e que preferia morta no pouco tempo em que estive em sua presença?
Por Augusto? Eu não tinha ideia do porque eu estava lutando.
- Ótimo, mas primeiro você precisa de
uma arma decente, vou providenciar que não precise mais usar esse martelo ridículo.
- Sim majestade...
Ela ordenou que eu me retirasse e
encontrei Augusto do lado de fora do salão real, ele acenou com a cabeça para
que eu o seguisse e me levou ate seus aposentos. A porta foi trancada e com um
olhar extremamente serio ele me perguntou:
- O que achou dela?
Não respondi a pergunta.
- Você é esperto, mas pode ser honesto
comigo, eu odeio essa mulher, as vezes eu amaldiçoo a honra e o dever que me
acorrenta a essa bruxa maldita.
Fiquei em choque ao ouvir aquelas
palavras daquele homem, todos sabiam o quanto Augusto era justo e seguia as
leis como um pato que segue sua mãe, por isso era estranho ouvir aquelas
palavras de sua própria boca.
- Senti a mesma vontade se é isso que
quer saber.
- Perfeito – ele disse e esboçou um
leve sorriso que não podia compreender na época – Por horas temos uma nova
missão Ulthred e como meu mais novo homem, espero muito de você nela.
- E qual seria essa missão?
- Vamos invadir um forte e matar todos
que estiverem dentro dele, é um ponto estratégico que deve ser capturado para
ganharmos essa guerra.
- Entendo... – A perspectiva de uma
batalha invadindo um forte não era a mais agradável de todas, mas sabia que não
poderia voltar a atrás com minha palavra – E quando partimos?
- Ao anoitecer, descanse, beba nas
tavernas, faça o que quiser, mas esteja pronto ao anoitecer.
- Tudo bem – falei e me virei para
sair de seu quarto, quando abria porta ele de súbito falou:
- Ulthred, eu posso confiar em você
não posso?
- Sim – respondi estranhando a sua
pergunta.
- Ótimo, pode ir agora – e então sai
do quarto pensando no significado daquelas palavras.
Agora eu era oficialmente um soldado,
lutaria lado a lado com Augusto, serviria uma rainha louca que odiei desde que
coloquei os olhos nela e aquilo era apenas o começo de algo muito maior.
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